Descobrimento do
Brasil
Com as grandes
navegações e descobrimento do Brasil Marítimos no século XV e
XVI, Portugal e Espanha eram as nações mais poderosas do mundo e
eles se lançaram ao mar em busca de novas terras para explorar. Eles
usavam os mares para chegar as Índias que era o grande centro
comercial onde eles compravam especiarias como a pimenta,canela,cravo
para a Europa obter mais lucros.
Em 22 de Abril 1500 o
Brasil foi descoberto , nesta data as caravelas portuguesa, comandada
por Pedro Álvares Cabral chegou no litoral de Bahia , e havia um
local que denominaram o nome de Monte Pascoal.
Os primeiros contatos
com os indígenas foi pacifico eles verificaram as trocas de
presentes, por exemplo se os portugueses davam um espelho os
indígenas e eles ficavam surpresos pois nunca tinham visto. Mais os
interesses dos portugueses eram as riquezas que haviam na Brasil
seria o pau- brasil, os animais, a flora. Neste contato, que foi um
verdadeiro “choque de culturas”, houve estranhamento de ambos os
lados.
No dia 26 de abril, foi
celebrada a primeira missa no Brasil, rezada pelo Frei Henrique de
Coimbra. Após a missa, a esquadra rumou em direção as Índias, em
busca das especiarias. Como acreditavam que a terra descoberta se
tratava de uma ilha, a nomearam de Ilha de Vera Cruz (primeiro nome
do Brasil).
A principal fonte
histórica sobre o Descoberta do Brasil é um documento redigido por
Pero Vaz de Caminha o escrivão da esquadra de Cabral, a seguir na
integra a carta de Pero Vaz de Caminha que conta os detalhes aspectos
da viagem a chegada ao litoral brasileiro, os índios que habitavam
na região e os primeiros contatos entre os portugueses e os nativos.
Carta de Pedro Vaz de Caminha
Senhor,
posto que o Capitão-mor desta
Vossa frota, e assim os outros capitães escrevam a Vossa Alteza a
notícia do achamento desta Vossa terra nova, que se agora nesta
navegação achou, não deixarei de também dar disso minha conta a
Vossa Alteza, assim como eu melhor puder, ainda que -- para o bem
contar e falar -- o saiba pior que todos fazer!
Todavia tome
Vossa Alteza minha ignorância por boa vontade, a qual bem certo
creia que, para aformosentar nem afear, aqui não há de pôr mais do
que aquilo que vi e me pareceu.
Da marinhagem e das
singraduras do caminho não darei aqui conta a Vossa Alteza -- porque
o não saberei fazer -- e os pilotos devem ter este cuidado.
E
portanto, Senhor, do que hei de falar começo:
E digo quê:
A partida de Belém foi -- como Vossa Alteza sabe,
segunda-feira 9 de março. E sábado, 14 do dito mês, entre as 8 e 9
horas, nos achamos entre as Canárias, mais perto da Grande Canária.
E ali andamos todo aquele dia em calma, à vista delas, obra de três
a quatro léguas. E domingo, 22 do dito mês, às dez horas mais ou
menos, houvemos vista das ilhas de Cabo Verde, a saber da ilha de São
Nicolau, segundo o dito de Pero Escolar, piloto.
Na noite
seguinte à segunda-feira amanheceu, se perdeu da frota Vasco de
Ataíde com a sua nau, sem haver tempo forte ou contrário para poder
ser !
Fez o capitão suas diligências para o achar, em umas
e outras partes. Mas... não apareceu mais !
E assim seguimos
nosso caminho, por este mar de longo, até que terça-feira das
Oitavas de Páscoa, que foram 21 dias de abril, topamos alguns sinais
de terra, estando da dita Ilha -- segundo os pilotos diziam, obra de
660 ou 670 léguas -- os quais eram muita quantidade de ervas
compridas, a que os mareantes chamam botelho, e assim mesmo outras a
que dão o nome de rabo-de-asno. E quarta-feira seguinte, pela manhã,
topamos aves a que chamam furabuchos.
Neste mesmo dia, a
horas de véspera, houvemos vista de terra! A saber, primeiramente de
um grande monte, muito alto e redondo; e de outras serras mais baixas
ao sul dele; e de terra chã, com grandes arvoredos; ao qual monte
alto o capitão pôs o nome de O Monte Pascoal e à terra A Terra de
Vera Cruz!
Mandou lançar o prumo. Acharam vinte e cinco
braças. E ao sol-posto umas seis léguas da terra, lançamos
ancoras, em dezenove braças -- ancoragem limpa. Ali ficamo-nos toda
aquela noite. E quinta-feira, pela manhã, fizemos vela e seguimos em
direitura à terra, indo os navios pequenos diante -- por dezessete,
dezesseis, quinze, catorze, doze, nove braças -- até meia légua da
terra, onde todos lançamos ancoras, em frente da boca de um rio. E
chegaríamos a esta ancoragem às dez horas, pouco mais ou menos.
E
dali avistamos homens que andavam pela praia, uns sete ou oito,
segundo disseram os navios pequenos que chegaram primeiro.
Então
lançamos fora os batéis e esquifes. E logo vieram todos os capitães
das naus a esta nau do Capitão-mor. E ali falaram. E o Capitão
mandou em terra a Nicolau Coelho para ver aquele rio. E tanto que ele
começou a ir-se para lá, acudiram pela praia homens aos dois e aos
três, de maneira que, quando o batel chegou à boca do rio, já lá
estavam dezoito ou vinte.
Pardos, nus, sem coisa alguma que
lhes cobrisse suas vergonhas. Traziam arcos nas mãos, e suas setas.
Vinham todos rijamente em direção ao batel. E Nicolau Coelho lhes
fez sinal que pousassem os arcos. E eles os depuseram. Mas não pôde
deles haver fala nem entendimento que aproveitasse, por o mar quebrar
na costa. Somente arremessou-lhe um barrete vermelho e uma carapuça
de linho que levava na cabeça, e um sombreiro preto. E um deles lhe
arremessou um sombreiro de penas de ave, compridas, com uma copazinha
de penas vermelhas e pardas, como de papagaio. E outro lhe deu um
ramal grande de continhas brancas, miúdas que querem parecer de
aljôfar, as quais peças creio que o Capitão manda a Vossa Alteza.
E com isto se volveu às naus por ser tarde e não poder haver deles
mais fala, por causa do mar.
À noite seguinte ventou tanto
sueste com chuvaceiros que fez caçar as naus. E especialmente a
Capitaina. E sexta pela manhã, às oito horas, pouco mais ou menos,
por conselho dos pilotos, mandou o Capitão levantar ancoras e fazer
vela. E fomos de longo da costa, com os batéis e esquifes amarrados
na popa, em direção norte, para ver se achávamos alguma abrigada e
bom pouso, onde nós ficássemos, para tomar água e lenha. Não por
nos já minguar, mas por nos prevenirmos aqui. E quando fizemos vela
estariam já na praia assentados perto do rio obra de sessenta ou
setenta homens que se haviam juntado ali aos poucos. Fomos ao longo,
e mandou o Capitão aos navios pequenos que fossem mais chegados à
terra e, se achassem pouso seguro para as naus, que amainassem.
E
velejando nós pela costa, na distância de dez léguas do sítio
onde tínhamos levantado ferro, acharam os ditos navios pequenos um
recife com um porto dentro, muito bom e muito seguro, com uma mui
larga entrada. E meteram-se dentro e amainaram. E as naus foram-se
chegando, atrás deles. E um pouco antes de sol-pôsto amainaram
também, talvez a uma légua do recife, e ancoraram a onze braças.
E estando Afonso Lopez, nosso piloto, em um daqueles navios
pequenos, foi, por mandado do Capitão, por ser homem vivo e destro
para isso, meter-se logo no esquife a sondar o porto dentro. E tomou
dois daqueles homens da terra que estavam numa almadia: mancebos e de
bons corpos. Um deles trazia um arco, e seis ou sete setas. E na
praia andavam muitos com seus arcos e setas; mas não os aproveitou.
Logo, já de noite, levou-os à Capitaina, onde foram recebidos com
muito prazer e festa.
A feição deles é serem pardos, um
tanto avermelhados, de bons rostos e bons narizes, bem feitos. Andam
nus, sem cobertura alguma. Nem fazem mais caso de encobrir ou deixa
de encobrir suas vergonhas do que de mostrar a cara. Acerca disso são
de grande inocência. Ambos traziam o beiço de baixo furado e metido
nele um osso verdadeiro, de comprimento de uma mão travessa, e da
grossura de um fuso de algodão, agudo na ponta como um furador.
Metem-nos pela parte de dentro do beiço; e a parte que lhes fica
entre o beiço e os dentes é feita a modo de roque de xadrez. E
trazem-no ali encaixado de sorte que não os magoa, nem lhes põe
estorvo no falar, nem no comer e beber.
Os cabelos deles são
corredios. E andavam tosquiados, de tosquia alta antes do que
sobre-pente, de boa grandeza, rapados todavia por cima das orelhas. E
um deles trazia por baixo da solapa, de fonte a fonte, na parte
detrás, uma espécie de cabeleira, de penas de ave amarela, que
seria do comprimento de um coto, mui basta e mui cerrada, que lhe
cobria o toutiço e as orelhas. E andava pegada aos cabelos, pena por
pena, com uma confeição branda como, de maneira tal que a cabeleira
era mui redonda e mui basta, e mui igual, e não fazia míngua mais
lavagem para a levantar.
O Capitão, quando eles vieram,
estava sentado em uma cadeira, aos pés uma alcatifa por estrado; e
bem vestido, com um colar de ouro, mui grande, ao pescoço. E Sancho
de Tovar, e Simão de Miranda, e Nicolau Coelho, e Aires Corrêa, e
nós outros que aqui na nau com ele íamos, sentados no chão, nessa
alcatifa. Acenderam-se tochas. E eles entraram. Mas nem sinal de
cortesia fizeram, nem de falar ao Capitão; nem a alguém. Todavia um
deles fitou o colar do Capitão, e começou a fazer acenos com a mão
em direção à terra, e depois para o colar, como se quisesse
dizer-nos que havia ouro na terra. E também olhou para um castiçal
de prata e assim mesmo acenava para a terra e novamente para o
castiçal, como se lá também houvesse prata!
Mostraram-lhes
um papagaio pardo que o Capitão traz consigo; tomaram-no logo na mão
e acenaram para a terra, como se os houvesse ali.
Mostraram-lhes
um carneiro; não fizeram caso dele.
Mostraram-lhes uma
galinha; quase tiveram medo dela, e não lhe queriam pôr a mão.
Depois lhe pegaram, mas como espantados.
Deram-lhes ali de
comer: pão e peixe cozido, confeitos, fartéis, mel, figos passados.
Não quiseram comer daquilo quase nada; e se provavam alguma coisa,
logo a lançavam fora.
Trouxeram-lhes vinho em uma taça; mal
lhe puseram a boca; não gostaram dele nada, nem quiseram mais.
Trouxeram-lhes água em uma albarrada, provaram cada um o seu
bochecho, mas não beberam; apenas lavaram as bocas e lançaram-na
fora.
Viu um deles umas contas de rosário, brancas; fez
sinal que lhas dessem, e folgou muito com elas, e lançou-as ao
pescoço; e depois tirou-as e meteu-as em volta do braço, e acenava
para a terra e novamente para as contas e para o colar do Capitão,
como se dariam ouro por aquilo.
Isto tomávamos nós nesse
sentido, por assim o desejarmos! Mas se ele queria dizer que levaria
as contas e mais o colar, isto não queríamos nós entender, por que
lho não havíamos de dar! E depois tornou as contas a quem lhas
dera. E então estiraram-se de costas na alcatifa, a dormir sem
procurarem maneiras de encobrir suas vergonhas, as quais não eram
fanadas; e as cabeleiras delas estavam bem rapadas e feitas.
O
Capitão mandou pôr por baixo da cabeça de cada um seu coxim; e o
da cabeleira esforçava-se por não a estragar. E deitaram um manto
por cima deles; e consentindo, aconchegaram-se e adormeceram.
Sábado pela manhã mandou o Capitão fazer vela, fomos
demandar a entrada, a qual era mui larga e tinha seis a sete braças
de fundo. E entraram todas as naus dentro, e ancoraram em cinco ou
seis braças -- ancoradouro que é tão grande e tão formoso de
dentro, e tão seguro que podem ficar nele mais de duzentos navios e
naus. E tanto que as naus foram distribuídas e ancoradas, vieram os
capitães todos a esta nau do Capitão-mor. E daqui mandou o Capitão
que Nicolau Coelho e Bartolomeu Dias fossem em terra e levassem
aqueles dois homens, e os deixassem ir com seu arco e setas, aos
quais mandou dar a cada um uma camisa nova e uma carapuça vermelha e
um rosário de contas brancas de osso, que foram levando nos braços,
e um cascavel e uma campainha. E mandou com eles, para lá ficar, um
mancebo degredado, criado de dom João Telo, de nome Afonso Ribeiro,
para lá andar com eles e saber de seu viver e maneiras. E a mim
mandou que fosse com Nicolau Coelho. Fomos assim de frecha direitos à
praia. Ali acudiram logo perto de duzentos homens, todos nus, com
arcos e setas nas mãos. Aqueles que nós levamos acenaram-lhes que
se afastassem e depusessem os arcos. E eles os depuseram. Mas não se
afastaram muito. E mal tinham pousado seus arcos quando saíram os
que nós levávamos, e o mancebo degredado com eles. E saídos não
pararam mais; nem esperavam um pelo outro, mas antes corriam a quem
mais correria. E passaram um rio que aí corre, de água doce, de
muita água que lhes dava pela braga. E muitos outros com eles. E
foram assim correndo para além do rio entre umas moitas de palmeiras
onde estavam outros. E ali pararam. E naquilo tinha ido o degredado
com um homem que, logo ao sair do batel, o agasalhou e levou até lá.
Mas logo o tornaram a nós. E com ele vieram os outros que nós
leváramos, os quais vinham já nus e sem carapuças.
E então
se começaram de chegar muitos; e entravam pela beira do mar para os
batéis, até que mais não podiam. E traziam cabaças d'água, e
tomavam alguns barris que nós levávamos e enchiam-nos de água e
traziam-nos aos batéis. Não que eles de todo chegassem a bordo do
batel. Mas junto a ele, lançavam-nos da mão. E nós tomávamo-los.
E pediam que lhes dessem alguma coisa.
Levava Nicolau Coelho
cascavéis e manilhas. E a uns dava um cascavel, e a outros uma
manilha, de maneira que com aquela encarna quase que nos queriam dar
a mão. Davam-nos daqueles arcos e setas em troca de sombreiros e
carapuças de linho, e de qualquer coisa que a gente lhes queria dar.
Dali se partiram os outros, dois mancebos, que não os vimos
mais.
Dos que ali andavam, muitos -- quase a maior parte
--traziam aqueles bicos de osso nos beiços.
E alguns, que
andavam sem eles, traziam os beiços furados e nos buracos traziam
uns espelhos de pau, que pareciam espelhos de borracha. E alguns
deles traziam três daqueles bicos, a saber um no meio, e os dois nos
cabos.
E andavam lá outros, quartejados de cores, a saber
metade deles da sua própria cor, e metade de tintura preta, um tanto
azulada; e outros quartejados d'escaques.
Ali andavam entre
eles três ou quatro moças, bem novinhas e gentis, com cabelos muito
pretos e compridos pelas costas; e suas vergonhas, tão altas e tão
cerradinhas e tão limpas das cabeleiras que, de as nós muito bem
olharmos, não se envergonhavam.
Ali por então não houve
mais fala ou entendimento com eles, por a barbana deles ser tamanha
que se não entendia nem ouvia ninguém. Acenamos-lhes que se fossem.
E assim o fizeram e passaram-se para além do rio. E saíram três ou
quatro homens nossos dos batéis, e encheram não sei quantos barris
d'água que nós levávamos. E tornamo-nos às naus. E quando assim
vínhamos, acenaram-nos que voltássemos. Voltamos, e eles mandaram o
degredado e não quiseram que ficasse lá com eles, o qual levava uma
bacia pequena e duas ou três carapuças vermelhas para lá as dar ao
senhor, se o lá houvesse. Não trataram de lhe tirar coisa alguma,
antes mandaram-no com tudo. Mas então Bartolomeu Dias o fez outra
vez tornar, que lhe desse aquilo. E ele tornou e deu aquilo, em vista
de nós, a aquele que o da primeira agasalhara. E então veio-se, e
nós levamo-lo.
Esse que o agasalhou era já de idade, e
andava por galanteria, cheio de penas, pegadas pelo corpo, que
parecia seteado como São Sebastião. Outros traziam carapuças de
penas amarelas; e outros, de vermelhas; e outros de verdes. E uma
daquelas moças era toda tingida de baixo a cima, daquela tintura e
certo era tão bem feita e tão redonda, e sua vergonha tão graciosa
que a muitas mulheres de nossa terra, vendo-lhe tais feições
envergonhara, por não terem as suas como ela. Nenhum deles era
fanado, mas todos assim como nós.
E com isto nos tornamos, e
eles foram-se.
À tarde saiu o Capitão-mor em seu batel com
todos nós outros capitães das naus em seus batéis a folgar pela
baía, perto da praia. Mas ninguém saiu em terra, por o Capitão o
não querer, apesar de ninguém estar nela. Apenas saiu -- ele com
todos nós -- em um ilhéu grande que está na baía, o qual, aquando
baixamar, fica mui vazio. Com tudo está de todas as partes cercado
de água, de sorte que ninguém lá pode ir, a não ser de barco ou a
nado. Ali folgou ele, e todos nós, bem uma hora e meia. E pescaram
lá, andando alguns marinheiros com um chinchorro; e mataram peixe
miúdo, não muito. E depois volvemo-nos às naus, já bem noite.
Ao domingo de Pascoela pela manhã, determinou o Capitão ir
ouvir missa e sermão naquele ilhéu. E mandou a todos os capitães
que se arranjassem nos batéis e fossem com ele. E assim foi feito.
Mandou armar um pavilhão naquele ilhéu, e dentro levantar um altar
mui bem arranjado. E ali com todos nós outros fez dizer missa, a
qual disse o padre frei Henrique, em voz entoada, e oficiada com
aquela mesma voz pelos outros padres e sacerdotes que todos
assistiram, a qual missa, segundo meu parecer, foi ouvida por todos
com muito prazer e devoção.
Ali estava com o Capitão a
bandeira de Cristo, com que saíra de Belém, a qual esteve sempre
bem alta, da parte do Evangelho.
Acabada a missa,
desvestiu-se o padre e subiu a uma cadeira alta; e nós todos
lançados por essa areia. E pregou uma solene e proveitosa pregação,
da história evangélica; e no fim tratou da nossa vida, e do
achamento desta terra, referindo-se à Cruz, sob cuja obediência
viemos, que veio muito a propósito, e fez muita devoção.
Enquanto assistimos à missa e ao sermão, estaria na praia
outra tanta gente, pouco mais ou menos, como a de ontem, com seus
arcos e setas, e andava folgando. E olhando-nos, sentaram. E depois
de acabada a missa, quando nós sentados atendíamos a pregação,
levantaram-se muitos deles e tangeram corno ou buzina e começaram a
saltar e dançar um pedaço. E alguns deles se metiam em almadias --
duas ou três que lá tinham -- as quais não são feitas como as que
eu vi; apenas são três traves, atadas juntas. E ali se metiam
quatro ou cinco, ou esses que queriam, não se afastando quase nada
da terra, só até onde podiam tomar pé.
Acabada a pregação
encaminhou-se o Capitão, com todos nós, para os batéis, com nossa
bandeira alta. Embarcamos e fomos indo todos em direção à terra
para passarmos ao longo por onde eles estavam, indo na dianteira, por
ordem do Capitão, Bartolomeu Dias em seu esquife, com um pau de uma
almadia que lhes o mar levara, para o entregar a eles. E nós todos
trás dele, a distância de um tiro de pedra.
Como viram o
esquife de Bartolomeu Dias, chegaram-se logo todos à água,
metendo-se nela até onde mais podiam. Acenaram-lhes que pousassem os
arcos e muitos deles os iam logo pôr em terra; e outros não os
punham.
Andava lá um que falava muito aos outros, que se
afastassem. Mas não já que a mim me parecesse que lhe tinham
respeito ou medo. Este que os assim andava afastando trazia seu arco
e setas. Estava tinto de tintura vermelha pelos peitos e costas e
pelos quadris, coxas e pernas até baixo, mas os vazios com a barriga
e estômago eram de sua própria cor. E a tintura era tão vermelha
que a água lha não comia nem desfazia. Antes, quando saía da água,
era mais vermelho. Saiu um homem do esquife de Bartolomeu Dias e
andava no meio deles, sem implicarem nada com ele, e muito menos
ainda pensavam em fazer-lhe mal. Apenas lhe davam cabaças d'água; e
acenavam aos do esquife que saíssem em terra. Com isto se volveu
Bartolomeu Dias ao Capitão. E viemo-nos às naus, a comer, tangendo
trombetas e gaitas, sem os mais constranger. E eles tornaram-se a
sentar na praia, e assim por então ficaram.
Neste ilhéu,
onde fomos ouvir missa e sermão, espraia muito a água e descobre
muita areia e muito cascalho. Enquanto lá estávamos foram alguns
buscar marisco e não no acharam. Mas acharam alguns camarões
grossos e curtos, entre os quais vinha um muito grande e muito
grosso; que em nenhum tempo o vi tamanho. Também acharam cascas de
berbigões e de amêijoas, mas não toparam com nenhuma peça
inteira. E depois de termos comido vieram logo todos os capitães a
esta nau, por ordem do Capitão-mor, com os quais ele se aportou; e
eu na companhia. E perguntou a todos se nos parecia bem mandar a nova
do achamento desta terra a Vossa Alteza pelo navio dos mantimentos,
para a melhor mandar descobrir e saber dela mais do que nós podíamos
saber, por irmos na nossa viagem.
E entre muitas falas que
sobre o caso se fizeram foi dito, por todos ou a maior parte, que
seria muito bem. E nisto concordaram. E logo que a resolução foi
tomada, perguntou mais, se seria bem tomar aqui por força um par
destes homens para os mandar a Vossa Alteza, deixando aqui em lugar
deles outros dois destes degredados.
E concordaram em que não
era necessário tomar por força homens, porque costume era dos que
assim à força levavam para alguma parte dizerem que há de tudo
quanto lhes perguntam; e que melhor e muito melhor informação da
terra dariam dois homens desses degredados que aqui deixássemos do
que eles dariam se os levassem por ser gente que ninguém entende.
Nem eles cedo aprenderiam a falar para o saberem tão bem dizer que
muito melhor estoutros o não digam quando cá Vossa Alteza mandar.
E que portanto não cuidássemos de aqui por força tomar
ninguém, nem fazer escândalo; mas sim, para os de todo amansar e
apaziguar, unicamente de deixar aqui os dois degredados quando daqui
partíssemos.
E assim ficou determinado por parecer melhor a
todos.
Acabado isto, disse o Capitão que fôssemos nos
batéis em terra. E ver-se-ia bem, quejando era o rio. Mas também
para folgarmos.
Fomos todos nos batéis em terra, armados; e
a bandeira conosco. Eles andavam ali na praia, à boca do rio, para
onde nós íamos; e, antes que chegássemos, pelo ensino que dantes
tinham, puseram todos os arcos, e acenaram que saíssemos. Mas, tanto
que os batéis puseram as proas em terra, passaram-se logo todos além
do rio, o qual não é mais ancho que um jogo de mancal. E tanto que
desembarcamos, alguns dos nossos passaram logo o rio, e meteram-se
entre eles. E alguns aguardavam; e outros se afastavam. Com tudo, a
coisa era de maneira que todos andavam misturados. Eles davam desses
arcos com suas setas por sombreiros e carapuças de linho, e por
qualquer coisa que lhes davam. Passaram além tantos dos nossos e
andaram assim misturados com eles, que eles se esquivavam, e
afastavam-se; e iam alguns para cima, onde outros estavam. E então o
Capitão fez que o tomassem ao colo dois homens e passou o rio, e fez
tornar a todos. A gente que ali estava não seria mais que aquela do
costume. Mas logo que o Capitão chamou todos para trás, alguns se
chegaram a ele, não por o reconhecerem por Senhor, mas porque a
gente, nossa, já passava para aquém do rio. Ali falavam e traziam
muitos arcos e continhas, daquelas já ditas, e resgatavam-nas por
qualquer coisa, de tal maneira que os nossos levavam dali para as
naus muitos arcos, e setas e contas.
E então tornou-se o
Capitão para aquém do rio. E logo acudiram muitos à beira dele.
Ali veríeis galantes, pintados de preto e vermelho, e
quartejados, assim pelos corpos como pelas pernas, que, certo, assim
pareciam bem. Também andavam entre eles quatro ou cinco mulheres,
novas, que assim nuas, não pareciam mal. Entre elas andava uma, com
uma coxa, do joelho até o quadril e a nádega, toda tingida daquela
tintura preta; e todo o resto da sua cor natural. Outra trazia ambos
os joelhos com as curvas assim tintas, e também os colos dos pés; e
suas vergonhas tão nuas, e com tanta inocência assim descobertas,
que não havia nisso desvergonha nenhuma.
Também andava lá
outra mulher, nova, com um menino ou menina, atado com um pano aos
peitos, de modo que não se lhe viam senão as perninhas. Mas nas
pernas da mãe, e no resto, não havia pano algum.
Em seguida
o Capitão foi subindo ao longo do rio, que corre rente à praia. E
ali esperou por um velho que trazia na mão uma pá de almadia.
Falou, enquanto o Capitão estava com ele, na presença de todos nós;
mas ninguém o entendia, nem ele a nós, por mais coisas que a gente
lhe perguntava com respeito a ouro, porque desejávamos saber se o
havia na terra.
Trazia este velho o beiço tão furado que
lhe cabia pelo buraco um grosso dedo polegar. E trazia metido no
buraco uma pedra verde, de nenhum valor, que fechava por fora aquele
buraco. E o Capitão lha fez tirar. E ele não sei que diabo falava e
ia com ela para a boca do Capitão para lha meter. Estivemos rindo um
pouco e dizendo chalaças sobre isso. E então enfadou-se o Capitão,
e deixou-o. E um dos nossos deu-lhe pela pedra um sombreiro velho;
não por ela valer alguma coisa, mas para amostra. E depois houve-a o
Capitão, creio, para mandar com as outras coisas a Vossa Alteza.
Andamos por aí vendo o ribeiro, o qual é de muita água e
muito boa. Ao longo dele há muitas palmeiras, não muito altas; e
muito bons palmitos. Colhemos e comemos muitos deles.
Depois
tornou-se o Capitão para baixo para a boca do rio, onde tínhamos
desembarcado.
E além do rio andavam muitos deles dançando e
folgando, uns diante os outros, sem se tomarem pelas mãos. E
faziam-no bem. Passou-se então para a outra banda do rio Diogo Dias,
que fora almoxarife de Sacavém, o qual é homem gracioso e de
prazer. E levou consigo um gaiteiro nosso com sua gaita. E meteu-se a
dançar com eles, tomando-os pelas mãos; e eles folgavam e riam e
andavam com ele muito bem ao som da gaita. Depois de dançarem fez
ali muitas voltas ligeiras, andando no chão, e salto real, de que se
eles espantavam e riam e folgavam muito. E conquanto com aquilo os
segurou e afagou muito, tomavam logo uma esquiveza como de animais
montezes, e foram-se para cima.
E então passou o rio o
Capitão com todos nós, e fomos pela praia, de longo, ao passo que
os batéis iam rentes à terra. E chegamos a uma grande lagoa de água
doce que está perto da praia, porque toda aquela ribeira do mar é
apaulada por cima e sai a água por muitos lugares.
E depois
de passarmos o rio, foram uns sete ou oito deles meter-se entre os
marinheiros que se recolhiam aos batéis. E levaram dali um tubarão
que Bartolomeu Dias matou. E levavam-lho; e lançou-o na praia.
Bastará que até aqui, como quer que se lhes em alguma parte
amansassem, logo de uma mão para outra se esquivavam, como pardais
do cevadouro. Ninguém não lhes ousa falar de rijo para não se
esquivarem mais. E tudo se passa como eles querem -- para os bem
amansarmos !
Ao velho com quem o Capitão havia falado,
deu-lhe uma carapuça vermelha. E com toda a conversa que com ele
houve, e com a carapuça que lhe deu tanto que se despediu e começou
a passar o rio, foi-se logo recatando. E não quis mais tornar do rio
para aquém. Os outros dois o Capitão teve nas naus, aos quais deu o
que já ficou dito, nunca mais aqui apareceram -- fatos de que deduzo
que é gente bestial e de pouco saber, e por isso tão esquiva. Mas
apesar de tudo isso andam bem curados, e muito limpos. E naquilo
ainda mais me convenço que são como aves, ou alimárias
montezinhas, as quais o ar faz melhores penas e melhor cabelo que às
mansas, porque os seus corpos são tão limpos e tão gordos e tão
formosos que não pode ser mais! E isto me faz presumir que não tem
casas nem moradias em que se recolham; e o ar em que se criam os faz
tais. Nós pelo menos não vimos até agora nenhumas casas, nem coisa
que se pareça com elas.
Mandou o Capitão aquele degredado,
Afonso Ribeiro, que se fosse outra vez com eles. E foi; e andou lá
um bom pedaço, mas a tarde regressou, que o fizeram eles vir: e não
o quiseram lá consentir. E deram-lhe arcos e setas; e não lhe
tomaram nada do seu. Antes, disse ele, que lhe tomara um deles umas
continhas amarelas que levava e fugia com elas, e ele se queixou e os
outros foram logo após ele, e lhas tomaram e tornaram-lhas a dar; e
então mandaram-no vir. Disse que não vira lá entre eles senão
umas choupaninhas de rama verde e de feteiras muito grandes, como as
de Entre Douro e Minho. E assim nos tornamos às naus, já quase
noite, a dormir.
Segunda-feira, depois de comer, saímos
todos em terra a tomar água. Ali vieram então muitos; mas não
tantos como as outras vezes. E traziam já muito poucos arcos. E
estiveram um pouco afastados de nós; mas depois pouco a pouco
misturaram-se conosco; e abraçavam-nos e folgavam; mas alguns deles
se esquivavam logo. Ali davam alguns arcos por folhas de papel e por
alguma carapucinha velha e por qualquer coisa. E de tal maneira se
passou a coisa que bem vinte ou trinta pessoas das nossas se foram
com eles para onde outros muitos deles estavam com moças e mulheres.
E trouxeram de lá muitos arcos e barretes de penas de aves, uns
verdes, outros amarelos, dos quais creio que o Capitão há de mandar
uma amostra a Vossa Alteza.
E segundo diziam esses que lá
tinham ido, brincaram com eles. Neste dia os vimos mais de perto e
mais à nossa vontade, por andarmos quase todos misturados: uns
andavam quartejados daquelas tinturas, outros de metades, outros de
tanta feição como em pano de ras, e todos com os beiços furados,
muitos com os ossos neles, e bastantes sem ossos. Alguns traziam uns
ouriços verdes, de árvores, que na cor queriam parecer de
castanheiras, embora fossem muito mais pequenos. E estavam cheios de
uns grãos vermelhos, pequeninos que, esmagando-se entre os dedos, se
desfaziam na tinta muito vermelha de que andavam tingidos. E quanto
mais se molhavam, tanto mais vermelhos ficavam.
Todos andam
rapados até por cima das orelhas; assim mesmo de sobrancelhas e
pestanas.
Trazem todos as testas, de fonte a fonte, tintas de
tintura preta, que parece uma fita preta da largura de dois dedos.
E o Capitão mandou aquele degredado Afonso Ribeiro e a
outros dois degredados que fossem meter-se entre eles; e assim mesmo
a Diogo Dias, por ser homem alegre, com que eles folgavam. E aos
degredados ordenou que ficassem lá esta noite.
Foram-se lá
todos; e andaram entre eles. E segundo depois diziam, foram bem uma
légua e meia a uma povoação, em que haveria nove ou dez casas, as
quais diziam que eram tão compridas, cada uma, como esta nau
capitaina. E eram de madeira, e das ilhargas de tábuas, e cobertas
de palha, de razoável altura; e todas de um só espaço, sem
repartição alguma, tinham de dentro muitos esteios; e de esteio a
esteio uma rede atada com cabos em cada esteio, altas, em que
dormiam. E de baixo, para se aquentarem, faziam seus fogos. E tinha
cada casa duas portas pequenas, uma numa extremidade, e outra na
oposta. E diziam que em cada casa se recolhiam trinta ou quarenta
pessoas, e que assim os encontraram; e que lhes deram de comer dos
alimentos que tinham, a saber muito inhame, e outras sementes que na
terra dá, que eles comem. E como se fazia tarde fizeram-nos logo
todos tornar; e não quiseram que lá ficasse nenhum. E ainda,
segundo diziam, queriam vir com eles. Resgataram lá por cascavéis e
outras coisinhas de pouco valor, que levavam, papagaios vermelhos,
muito grandes e formosos, e dois verdes pequeninos, e carapuças de
penas verdes, e um pano de penas de muitas cores, espécie de tecido
assaz belo, segundo Vossa Alteza todas estas coisas verá, porque o
Capitão vo-las há de mandar, segundo ele disse. E com isto vieram;
e nós tornamo-nos às naus.
Terça-feira, depois de comer,
fomos em terra, fazer lenha, e para lavar roupa. Estavam na praia,
quando chegamos, uns sessenta ou setenta, sem arcos e sem nada. Tanto
que chegamos, vieram logo para nós, sem se esquivarem. E depois
acudiram muitos, que seriam bem duzentos, todos sem arcos. E
misturaram-se todos tanto conosco que uns nos ajudavam a acarretar
lenha e metê-las nos batéis. E lutavam com os nossos, e tomavam com
prazer. E enquanto fazíamos a lenha, construíam dois carpinteiros
uma grande cruz de um pau que se ontem para isso cortara. Muitos
deles vinham ali estar com os carpinteiros. E creio que o faziam mais
para verem a ferramenta de ferro com que a faziam do que para verem a
cruz, porque eles não tem coisa que de ferro seja, e cortam sua
madeira e paus com pedras feitas como cunhas, metidas em um pau entre
duas talas, mui bem atadas e por tal maneira que andam fortes, porque
lhas viram lá. Era já a conversação deles conosco tanta que quase
nos estorvavam no que havíamos de fazer.
E o Capitão mandou
a dois degredados e a Diogo Dias que fossem lá à aldeia e que de
modo algum viessem a dormir às naus, ainda que os mandassem embora.
E assim se foram.
Enquanto andávamos nessa mata a cortar
lenha, atravessavam alguns papagaios essas árvores; verdes uns, e
pardos, outros, grandes e pequenos, de sorte que me parece que haverá
muitos nesta terra. Todavia os que vi não seriam mais que nove ou
dez, quando muito. Outras aves não vimos então, a não ser algumas
pombas-seixeiras, e pareceram-me maiores bastante do que as de
Portugal. Vários diziam que viram rolas, mas eu não as vi. Todavia
segundo os arvoredos são mui muitos e grandes, e de infinitas
espécies, não duvido que por esse sertão haja muitas aves!
E
cerca da noite nós volvemos para as naus com nossa lenha.
Eu
creio, Senhor, que não dei ainda conta aqui a Vossa Alteza do feitio
de seus arcos e setas. Os arcos são pretos e compridos, e as setas
compridas; e os ferros delas são canas aparadas, conforme Vossa
Alteza verá alguns que creio que o Capitão a Ela há de enviar.
Quarta-feira não fomos em terra, porque o Capitão andou
todo o dia no navio dos mantimentos a despejá-lo e fazer levar às
naus isso que cada um podia levar. Eles acudiram à praia, muitos,
segundo das naus vimos. Seriam perto de trezentos, segundo Sancho de
Tovar que para lá foi. Diogo Dias e Afonso Ribeiro, o degredado, aos
quais o Capitão ontem ordenara que de toda maneira lá dormissem,
tinham voltado já de noite, por eles não quererem que lá ficassem.
E traziam papagaios verdes; e outras aves pretas, quase como pegas,
com a diferença de terem o bico branco e rabos curtos. E quando
Sancho de Tovar recolheu à nau, queriam vir com ele, alguns; mas ele
não admitiu senão dois mancebos, bem dispostos e homens de prol.
Mandou pensar e curá-los mui bem essa noite. E comeram toda a ração
que lhes deram, e mandou dar-lhes cama de lençóis, segundo ele
disse. E dormiram e folgaram aquela noite. E não houve mais este dia
que para escrever seja.
Quinta-feira, derradeiro de abril,
comemos logo, quase pela manhã, e fomos em terra por mais lenha e
água. E em querendo o Capitão sair desta nau, chegou Sancho de
Tovar com seus dois hóspedes. E por ele ainda não ter comido,
puseram-lhe toalhas, e veio-lhe comida. E comeu. Os hóspedes,
sentaram-no cada um em sua cadeira. E de tudo quanto lhes deram,
comeram mui bem, especialmente lacão cozido frio, e arroz. Não lhes
deram vinho por Sancho de Tovar dizer que o não bebiam bem.
Acabado o comer, metemo-nos todos no batel, e eles conosco.
Deu um grumete a um deles uma armadura grande de porco montês, bem
revolta. E logo que a tomou meteu-a no beiço; e porque se lhe não
queria segurar, deram-lhe uma pouca de cera vermelha. E ele
ajeitou-lhe seu adereço da parte de trás de sorte que segurasse, e
meteu-a no beiço, assim revolta para cima; e ia tão contente com
ela, como se tivesse uma grande jóia. E tanto que saímos em terra,
foi-se logo com ela. E não tornou a aparecer lá.
Andariam
na praia, quando saímos, oito ou dez deles; e de aí a pouco
começaram a vir. E parece-me que viriam este dia a praia
quatrocentos ou quatrocentos e cinqüenta. Alguns deles traziam arcos
e setas; e deram tudo em troca de carapuças e por qualquer coisa que
lhes davam. Comiam conosco do que lhes dávamos, e alguns deles
bebiam vinho, ao passo que outros o não podiam beber. Mas quer-me
parecer que, se os acostumarem, o hão de beber de boa vontade!
Andavam todos tão bem dispostos e tão bem feitos e galantes com
suas pinturas que agradavam. Acarretavam dessa lenha quanta podiam,
com mil boas vontades, e levavam-na aos batéis. E estavam já mais
mansos e seguros entre nós do que nós estávamos entre eles.
Foi
o Capitão com alguns de nós um pedaço por este arvoredo até um
ribeiro grande, e de muita água, que ao nosso parecer é o mesmo que
vem ter à praia, em que nós tomamos água. Ali descansamos um
pedaço, bebendo e folgando, ao longo dele, entre esse arvoredo que é
tanto e tamanho e tão basto e de tanta qualidade de folhagem que não
se pode calcular. Há lá muitas palmeiras, de que colhemos muitos e
bons palmitos.
Ao sairmos do batel, disse o Capitão que
seria bom irmos em direitura à cruz que estava encostada a uma
árvore, junto ao rio, a fim de ser colocada amanhã, sexta-feira, e
que nos puséssemos todos de joelhos e a beijássemos para eles verem
o acatamento que lhe tínhamos. E assim fizemos. E a esses dez ou
doze que lá estavam, acenaram-lhes que fizessem o mesmo; e logo
foram todos beijá-la.
Parece-me gente de tal inocência que,
se nós entendêssemos a sua fala e eles a nossa, seriam logo
cristãos, visto que não têm nem entendem crença alguma, segundo
as aparências. E portanto se os degredados que aqui hão de ficar
aprenderem bem a sua fala e os entenderem, não duvido que eles,
segundo a santa tenção de Vossa Alteza, se farão cristãos e hão
de crer na nossa santa fé, à qual praza a Nosso Senhor que os
traga, porque certamente esta gente é boa e de bela simplicidade. E
imprimir-se-á facilmente neles qualquer cunho que lhe quiserem dar,
uma vez que Nosso Senhor lhes deu bons corpos e bons rostos, como a
homens bons. E o Ele nos para aqui trazer creio que não foi sem
causa. E portanto Vossa Alteza, pois tanto deseja acrescentar a santa
fé católica, deve cuidar da salvação deles. E prazerá a Deus que
com pouco trabalho seja assim!
Eles não lavram nem criam.
Nem há aqui boi ou vaca, cabra, ovelha ou galinha, ou qualquer outro
animal que esteja acostumado ao viver do homem. E não comem senão
deste inhame, de que aqui há muito, e dessas sementes e frutos que a
terra e as árvores de si deitam. E com isto andam tais e tão rijos
e tão nédios que o não somos nós tanto, com quanto trigo e
legumes comemos.
Nesse dia, enquanto ali andavam, dançaram e
bailaram sempre com os nossos, ao som de um tamboril nosso, como se
fossem mais amigos nossos do que nós seus. Se lhes a gente acenava,
se queriam vir às naus, aprontavam-se logo para isso, de modo tal,
que se os convidáramos a todos, todos vieram. Porém não levamos
esta noite às naus senão quatro ou cinco; a saber, o Capitão-mor,
dois; e Simão de Miranda, um que já trazia por pagem; e Aires Gomes
a outro, pagem também. Os que o Capitão trazia, era um deles um dos
seus hóspedes que lhe haviam trazido a primeira vez quando aqui
chegamos -- o qual veio hoje aqui vestido na sua camisa, e com ele um
seu irmão; e foram esta noite mui bem agasalhados tanto de comida
como de cama, de colchões e lençóis, para os mais amansar.
E
hoje que é sexta-feira, primeiro dia de maio, pela manhã, saímos
em terra com nossa bandeira; e fomos desembarcar acima do rio, contra
o sul onde nos pareceu que seria melhor arvorar a cruz, para melhor
ser vista. E ali marcou o Capitão o sítio onde haviam de fazer a
cova para a fincar. E enquanto a iam abrindo, ele com todos nós
outros fomos pela cruz, rio abaixo onde ela estava. E com os
religiosos e sacerdotes que cantavam, à frente, fomos trazendo-a
dali, a modo de procissão. Eram já aí quantidade deles, uns
setenta ou oitenta; e quando nos assim viram chegar, alguns se foram
meter debaixo dela, ajudar-nos. Passamos o rio, ao longo da praia; e
fomos colocá-la onde havia de ficar, que será obra de dois tiros de
besta do rio. Andando-se ali nisto, viriam bem cento cinqüenta, ou
mais. Plantada a cruz, com as armas e a divisa de Vossa Alteza, que
primeiro lhe haviam pregado, armaram altar ao pé dela. Ali disse
missa o padre frei Henrique, a qual foi cantada e oficiada por esses
já ditos. Ali estiveram conosco, a ela, perto de cinqüenta ou
sessenta deles, assentados todos de joelho assim como nós. E quando
se veio ao Evangelho, que nos erguemos todos em pé, com as mãos
levantadas, eles se levantaram conosco, e alçaram as mãos, estando
assim até se chegar ao fim; e então tornaram-se a assentar, como
nós. E quando levantaram a Deus, que nos pusemos de joelhos, eles se
puseram assim como nós estávamos, com as mãos levantadas, e em tal
maneira sossegados que certifico a Vossa Alteza que nos fez muita
devoção.
Estiveram assim conosco até acabada a comunhão;
e depois da comunhão, comungaram esses religiosos e sacerdotes; e o
Capitão com alguns de nós outros. E alguns deles, por o Sol ser
grande, levantaram-se enquanto estávamos comungando, e outros
estiveram e ficaram. Um deles, homem de cinqüenta ou cinqüenta e
cinco anos, se conservou ali com aqueles que ficaram. Esse, enquanto
assim estávamos, juntava aqueles que ali tinham ficado, e ainda
chamava outros. E andando assim entre eles, falando-lhes, acenou com
o dedo para o altar, e depois mostrou com o dedo para o céu, como se
lhes dissesse alguma coisa de bem; e nós assim o tomamos!
Acabada
a missa, tirou o padre a vestimenta de cima, e ficou na alva; e assim
se subiu, junto ao altar, em uma cadeira; e ali nos pregou o
Evangelho e dos Apóstolos cujo é o dia, tratando no fim da pregação
desse vosso prosseguimento tão santo e virtuoso, que nos causou mais
devoção.
Esses que estiveram sempre à pregação estavam
assim como nós olhando para ele. E aquele que digo, chamava alguns,
que viessem ali. Alguns vinham e outros iam-se; e acabada a pregação,
trazia Nicolau Coelho muitas cruzes de estanho com crucifixos, que
lhe ficaram ainda da outra vinda. E houveram por bem que lançassem a
cada um sua ao pescoço. Por essa causa se assentou o padre frei
Henrique ao pé da cruz; e ali lançava a sua a todos -- um a um --
ao pescoço, atada em um fio, fazendo-lha primeiro beijar e levantar
as mãos. Vinham a isso muitos; e lançavam-nas todas, que seriam
obra de quarenta ou cinquenta . E isto acabado -- era já bem uma
hora depois do meio dia -- viemos às naus a comer, onde o Capitão
trouxe consigo aquele mesmo que fez aos outros aquele gesto para o
altar e para o céu, (e um seu irmão com ele). A aquele fez muita
honra e deu-lhe uma camisa mourisca; e ao outro uma camisa
destoutras.
E segundo o que a mim e a todos pareceu, esta
gente, não lhes falece outra coisa para ser toda cristã, do que
entenderem-nos, porque assim tomavam aquilo que nos viam fazer como
nós mesmos; por onde pareceu a todos que nenhuma idolatria nem
adoração têm. E bem creio que, se Vossa Alteza aqui mandar quem
entre eles mais devagar ande, que todos serão tornados e convertidos
ao desejo de Vossa Alteza. E por isso, se alguém vier, não deixe
logo de vir clérigo para os batizar; porque já então terão mais
conhecimentos de nossa fé, pelos dois degredados que aqui entre eles
ficam, os quais hoje também comungaram.
Entre todos estes
que hoje vieram não veio mais que uma mulher, moça, a qual esteve
sempre à missa, à qual deram um pano com que se cobrisse; e
puseram-lho em volta dela. Todavia, ao sentar-se, não se lembrava de
o estender muito para se cobrir. Assim, Senhor, a inocência desta
gente é tal que a de Adão não seria maior -- com respeito ao
pudor.
Ora veja Vossa Alteza quem em tal inocência vive se
se convertera, ou não, se lhe ensinarem o que pertence à sua
salvação.
Acabado isto, fomos perante eles beijar a cruz. E
despedimo-nos e fomos comer.
Creio, Senhor, que, com estes
dois degredados que aqui ficam, ficarão mais dois grumetes, que esta
noite se saíram em terra, desta nau, no esquife, fugidos, os quais
não vieram mais. E cremos que ficarão aqui porque de manhã,
prazendo a Deus fazemos nossa partida daqui.
Esta terra,
Senhor, parece-me que, da ponta que mais contra o sul vimos, até à
outra ponta que contra o norte vem, de que nós deste porto houvemos
vista, será tamanha que haverá nela bem vinte ou vinte e cinco
léguas de costa. Traz ao longo do mar em algumas partes grandes
barreiras, umas vermelhas, e outras brancas; e a terra de cima toda
chã e muito cheia de grandes arvoredos. De ponta a ponta é toda
praia... muito chã e muito formosa. Pelo sertão nos pareceu, vista
do mar, muito grande; porque a estender olhos, não podíamos ver
senão terra e arvoredos -- terra que nos parecia muito extensa.
Até agora não pudemos saber se há ouro ou prata nela, ou
outra coisa de metal, ou ferro; nem lha vimos. Contudo a terra em si
é de muito bons ares frescos e temperados como os de
Entre-Douro-e-Minho, porque neste tempo d'agora assim os achávamos
como os de lá. Águas são muitas; infinitas. Em tal maneira é
graciosa que, querendo-a aproveitar, dar-se-á nela tudo; por causa
das águas que tem!
Contudo, o melhor fruto que dela se pode
tirar parece-me que será salvar esta gente. E esta deve ser a
principal semente que Vossa Alteza em ela deve lançar. E que não
houvesse mais do que ter Vossa Alteza aqui esta pousada para essa
navegação de Calecute bastava. Quanto mais, disposição para se
nela cumprir e fazer o que Vossa Alteza tanto deseja, a saber,
acrescentamento da nossa fé!
E desta maneira dou aqui a
Vossa Alteza conta do que nesta Vossa terra vi. E se a um pouco
alonguei, Ela me perdoe. Porque o desejo que tinha de Vos tudo dizer,
mo fez pôr assim pelo miúdo.
E pois que, Senhor, é certo
que tanto neste cargo que levo como em outra qualquer coisa que de
Vosso serviço for, Vossa Alteza há de ser de mim muito bem servida,
a Ela peço que, por me fazer singular mercê, mande vir da ilha de
São Tomé a Jorge de Osório, meu genro -- o que d'Ela receberei em
muita mercê.
Beijo as mãos de Vossa Alteza.
Deste
Porto Seguro, da Vossa Ilha de Vera Cruz, hoje, sexta-feira, primeiro
dia de maio de 1500.
Pero Vaz de Caminha
Com a carta de Pero Vaz de Caminha, ele contou
como foi o contanto dos portugueses e os índios, ele tinha a
preocupação básica de informar, procurando transmitir o máximo
possível de dados a respeito do que ocorria e do que o escrivão
via, ouvia e sentia, ele elaborou a carta contando os detalhes dos
animais,da vegetação,produto da terra etc.
Aluna:Thais Hashimoto 2B
Fonte: http://educaterra.terra.com.br/voltaire/500br/carta_caminha.htm
http://educaterra.terra.com.br/voltaire/500br/carta_caminha.htm